“Onde o Direito não toca”

Bernardo G. B. Nogueira

Categorias: Direito, Amor, Pesquisa

A folha em branco. A rua também. A vida nua. Trasvestida de ilusões. Faróis vez em quando. Outra vez a chuva. À pé, depois de saltar de um carro muito valioso para o “mundo dos homens”. Não há o que agradecer. Cansada, cansado, amanhã não haverá luz.

Andar por uma folha em branco manchando ela com palavras é jeito de inventar  existência. Haja invenção! E haja existências esbranquiçadas! Haja existências que são desgarradas de uma realidade, estreita que é, oprime. Há uma rebelião em curso. Há uma rebelião em curso? O próprio cursor é uma violência que nos obriga à retidão na escrita. Por que escrevemos em linha reta? – uma vez que as curvas nos são das coisas mais arrebatadoras. A prosa aqui é sobre curvas. Esquinas e locais sem sol. Cheios de sombra. Olhos maquiados pelo tempo, que escorre, ora na veia, pela lágrima, pelo gozo. Pela ausência da linguagem, que aqui vai na mistura do som e da imagem. Que se movimenta. O tempo que foge e nos abraça – na esquina.

Não há o que agradecer. Talvez “onde o direito não toca” esteja colocado naqueles lugares onde também a linguagem não fala. Desse jeito, nos trans-formamos em atores, atrizes, cineastas, câmeras, gruas, ruas, putas. Mas a questão que nos assombra, feito mesmo os vultos que saem das esquinas, só em um determinado momento, com uma cor, uma roupa, sem ela, calor ou frio: Por que transformar para existir? Haveria uma ambiência na qual a colocação no mundo não fosse trans? Há um local de partida do humano? Pensamos que o que é do humano é differànce. Não podemos supor pontos de partida, tampouco, de chegada.

Estamos no local do agradecimento. Agradar aquele que nos agradou. Estou então  agradecido. Mas haveria um agradecimento para aquele que não nos agradou? Trata-se aqui de mera formalidade cortês que compõe o início de um livro ou mesmo há um agradecimento sem que tenhamos algo em troca. O escambo de palavras não nos interessa.

Escrevo aqui para um agradecimento que vem. Do mesmo jeito em que ao sair do sertão, na mesma rua Pedro II nasce uma necessidade de agradecer. O sertão, enviesado que é, mostrou ali naquela rua – de dia cinza, de noite cor de mistério, sua face mais bonita, suja, amante e fatal. Não posso agradecer senão ao que vem. Àquelas pessoas da noite. Sem nome. Inventadas a cada encontro, dentro de um entre: o dia e a noite.

Àquelas que vem…como agradecer? Como não agradecer? Como deixar um recado para ouvidos moucos? Quem o direito toca? Há toque no direito? Queremos tocar quando falamos de direito? E ainda, é necessário o direito para que pessoas sejam reconhecidas? Talvez precisamos mesmo de um registro fílmico para esse agradecimento. Entanto, eu vou ficando por aqui, o agradecimento é para aquela que vem. Não mais para “aquele”, o toque precisa ser reinventado. Há pessoas que são suprimidas da existência na luz platônica, há tanta coisa na toca/caverna – Alice que o diga.

Àquelas que vem, agradecemos. Estamos entristecidos por agradecer. Essa é uma escrita de não alegria. Esse é um não filme. Uma não escrita. Uma não estrada. Vamos na contramão. Estamos tristes e felizes. Não gostaríamos de estar estrangeiros no mundo. Ele não seria uma habitação comum? Por que dois mundos? Alice que o diga. Não estamos tristes. Estamos assim, trans. Depois de Anyky, Brenda, Kamilly, Faby. Depois que a avenida Pedro II foi trans na gente. Ninguém restou esquecido, alunos viraram cineastas, atores, ajudantes de gravação, o diretor de filmagem, amigo, sua esposa, produtora. Belo Horizonte deixou de ser apenas uma cidade, tornou-se uma cidade que vem. Suas ruas, escorredouros de imaginação pela lente. As pessoas amigas de Itabirito, apenas por estarem na existência de nós, tornaram-se, também, trans, na medida que a médica virou celebrante e a decoradora, construtora de set de gravação. Ninguém pode ser agradecido. Estamos desde julho de 2015, trans, assim estaremos para sempre, agradecer é apenas jeito de lembrar que nunca mais somos os mesmos depois que sonhamos: o humano precisa de toque. Cantemos: luz, câmera, (trans)ação!

Bernardo G. B. Nogueira

Área: Direito | Amor

Título: Confissões da alma

Autor: Bernardo G. B. Nogueira

Editora: Editora Newton Paiva

Ano: 2016

Idioma: Português

Número de páginas: 140

Formato: Impresso e pdf

ISBN: 978-85-98299-66-2